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Festim dos Afogados

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Mensagem por Urisk Greyjoy Dom Nov 15, 2020 11:39 pm

Urisk I

A luz alaranjada da pequena chama vinda da vela dançava no ritmo oscilante das ondas, ora lançando feixes vermelhos, ora feixes quase brancos, ora deixando espaço para sombras curvilíneas que desenhavam sobre as paredes da cabine. Urisk lia as cartas marítimas abertas sobre a mesa, grandes pedaços de papel amarelado rabiscados com os complicados fluxos da água e do vento, as encostas e os assentamentos de pedra e área próximo às margens, os quais cobriam todo o centro da mesa de madeira preta mostrando da forma mais fiel que um homem poderia desenhar: as regiões das Ilhas de Ferro e suas costas próximas indo das Vilas Acinzentadas ao golfo posterior ao Carvalho Velho; os degraus com suas várias ilhas e armadilhas de pedra, assim como as margens leste de Dorne; e o litoral de Ponta Tempestade. Urisk estendeu a mão até uma pilha de penas na ponta da mesa, ao lado de um pote de tinta de carvão moído, mergulhou uma das penas na tinta e redigiu poucos comentários no último mapa, mais tarde planejando pedir aos Baratheon uma versão melhor que pudesse corrigir os problemas que percebeu.

Recostou-se na cadeira. Deixou todo o peso ser segurado pelo pequeno trono de madeira grossa e bruta, largou a pena sobre o colo sem medo de manchar o linho marrom da calça e apoiou os cotovelos nos braços da cadeira. Os olhos pesavam, já deveria ter passado do apogeu da noite e o Sol não tardaria a nascer, deixou que os olhos fechassem rapidamente, apenas para descansá-los. Enrolou os mapas de cima da mesa e levantou-se, andando pelo cômodo com os rolos em mãos. O quarto localizava-se logo abaixo da popa do navio e afunilava-se quão mais próximo chegava à porta. A mesa ficava no centro com suas penas, tintas, papéis e astrolábio espalhados em desordem, e a luz da vela ali colocada refletia em uma peça de bronze no teto, uma formação côncava em anéis cravados com as formas das estrelas no céu noturno, banhando todo o aposento. Na traseira, a maior parte do quarto, uma grande estante recheada de rolos de papel liso e textos copiados, pergaminhos e cartas náuticas, bússolas, moedas de ouro e prata e potes onde ervas e pastas eram armazenadas, cada andar da estante podendo ser fechado por placas de madeira que, quando abertas, tornavam-se uma base de sustentação.

Urisk deixou os rolos junto às outras cartas náuticas, cada uma amarrada numa fita que continha por escrito um resumo de seu conteúdo, e lançou seu olhar sobre o resto do quarto, que vinha se modificando, e perdendo, nos tempos recentes. Havia na porta uma nova inscrição entalhada em relevo com os dizeres da casa Greyjoy: “Nós Não Semeamos”, onde antes ficava uma frase qualquer em Alto Valiriano. No lado esquerdo, uma cama não grande, nem sequer decorada, mas ainda assim perceptivelmente bem-feita pelo suave corte da madeira e pela conservação; transcorria muito tempo que não era utilizada por alguém. Encostada ao pé da cama, um grande baú guardava todas as vestimentas que pertenciam ao jovem Greyjoy, não era o único baú no espaço, outro menor e mais discreto se escondia abaixo da mesa e guardava facas, moedas e venenos fortes demais para ficar à vista, na estante. No lado direito, destacava-se uma grande janela com um óculo de ferro preso e pendendo, e o arco curvado de madeira acinzentada preso onde antes deveria haver uma espada. Fora isso, pouco restara no quarto, os pertences do antigo capitão foram queimados e afundados junto de seu corpo. Um vazio tornou-se visível no ambiente e dele verteu-se para Urisk, e por alguns segundos seus olhos se viraram para o passado e sua mente se perdeu na armadilha da nostalgia, mas o momento passou e o vazio preencheu-se com chamas leves, quase imperceptíveis, mas ainda existentes.

Urisk então se sentou mais uma vez em seu trono de madeira e começou a pensar em como Westeros mudara, algo que cada vez tomava mais tempo de sua mente e o fazia desejar voltar para os mares distantes ao leste. Antes Westeros não era nada além de uma lembrança ruim da prisão de uma ilha decadente e pobre, era um deus que seus cultistas não sabiam mais reconhecer ao olhar o quebrar das ondas e o infinito escuro das profundezas, era reis dragões e nomes de linhagens que pertenciam aos estudos e a estória. Agora os reis dragões estavam sendo mortos, personagens viravam inimigos e aliados com os quais negociavam, sacerdotes vermelhos enganavam o povo e ele estava no centro de uma trama da qual era um dos planejadores. “As coisas mudaram. E agora é minha vez de vestir o manto da lula dourada. Pelo menos até o casamento acabar, os barcos estiverem cruzando o mar do verão e os mares próximos, e não ter mais chance de eu herdar as Ilhas de Ferro.”

Se o cálculo que fizera estivesse certo, não tardaria também a ver as primeiras luzes da Árvore no horizonte, isso se já não estivessem visíveis para quem continuava no convés. Não conhecia nenhum dos Redwyne e não tinha dentro de si qualquer desejo de vir a vê-los, a ambição dentro deles borbulhava de tão aquecida, e Urisk acreditava que estava próximo de estourar. Quão azarado podia ser Magnus Tyrell de ter dois vassalos tão ávidos pela grandeza em um período tão propício a traidores? Pensar no casamento da irmã e no que o rodeava fazia sua mente vagar, talvez pela esperança que ele o livrasse de vez, talvez pela estranheza que ainda era considerar-se parte de uma grande família. Pegou-se pensando em roupas e conscientemente permitiu-se deixar para trás os lados incômodos de sua mente para entrar naquelas águas mais calmas, teria de escolher com cuidado o que vestir considerando a magnitude dos eventos e não tinha certeza se portar seu arco seria algo bem visto ou não, era comum que cavaleiros ostentassem suas lâminas por toda Westeros, como uma demonstração de posição, orgulho e poder, seu arco serviria para a mesma coisa? Ele quis acordar meistre Samwell para tirar-lhe dúvida.

“Vou ter que lembrar à tripulação que não deve chamar Samwell por meistre enquanto estivermos na Árvore.” Ele pensou e adormeceu na cadeira, sentindo o balanço do mar.

Não teve sonhos ou, se tivera, perdera-os da memória antes que pudesse acordar. Foi desperto por batidas ansiosas de um tinido metálico grave na porta, reconheceu-as como o bronqueado sinal de Robin de que dormiu demais. Lentamente abriu os olhos, o sol e uma leve brisa aquecida invadindo pela janela e incomodando o Greyjoy, que se remexeu protegendo os olhos até acostumar-se com a claridade do dia. Ouviu os tinidos metálicos e o pulso surdo da batida mais uma vez, a voz ainda embargada saiu rouca quando permitiu que Robin entrasse no quarto.

Robin Mullierg estava de espada em mãos e vestida de couro e ferro quando abriu a porta, um gibão simples com protetores nos braços e uma cota de malha por baixo, botas pesadas e a espada presa à cintura. Prostrava-se dura na entrada do cômodo e Urisk sabia que, não fosse ele o capitão, ela teria simplesmente arrombado o quarto e o acordado com um balde de água na cara. Já tinha feito antes. Era uma legítima mulher das Ilhas de Ferro, exceto que não nascera nas Ilhas e suas cores denunciavam sua verdadeira origem, loura como os cereais e com olhos verdes como o musgo.
 
— Seria bom que você se apressasse. Se não estivermos em terra firme quando o sol se pôr, é porque algo muito errado aconteceu – disse a lutadora para o Capitão.

Urisk percebeu que acertara em seus cálculos, assim como percebeu algo estranho no tom da amiga, uma nota esperançosa, e lhe perguntou:

— A Árvore já está visível?

— Já. E Askeladd não parece saber qual bandeira içar. Não é mais fácil apenas deixar a bandeira que já está lá, em cima do mastro?

“Não”, pensou ele em resposta, mas não quis explicar o porquê, mesmo sendo uma explicação rápida. Ergueu-se e apagou com os dedos a vela que derretera quase metade de sua extensão, derramando parte da cera fundida.

— Mande Qhorwyn trazer baldes-d’água... Ah, aquecidos, e peça que convoque Samwell – ordenou descompromissadamente. — E mande-o me avisar dessa vez quando os baldes estiverem prontos. Algo de importante para relatar?

— Além de estarmos a algumas horas da Árvore? Nada. – Deu uma pequena risada após o comentário. — Quer que eu confira com a tripulação? – ela indagou.

— Se não for assustá-los.

Robin acenou com um movimento da cabeça em concordância e deixou o quarto brincando com a espada, presumivelmente não cumpriria ordem nenhuma. Urisk saiu logo depois, subindo as estreitas escadas que conectavam a entrada do aposento diretamente ao convés do Mary Ann, sentiu o constante e desgastante toque queimante do sol lhe afligir a pele, o ar salubre chicoteava a pele em lufadas poderosas, ótimas para o navio, um tempo bom como aquele não aparecia desde que cruzaram Dorne. Homens gritavam e corriam, e puxavam cordas, e bradavam sua euforia em mais línguas do que um westerosi ouviria até o final da vida, celebrando boas águas e o fim de uma longa viagem. E ao longe, tão fino e pequeno, o horizonte elevava-se do nível do mar, apenas um pouco acima do esperado, em picos e depressões que formaram os contornos da ilha da Árvore. E o reflexo do sol diluía-se no oscilante movimento do oceano, brilhando em pulsos quando a maré ascendia.

Puxou a tira de couro para sobre os olhos deixando que sua sombra amenizasse a luminosidade do sol. Caminhou sobre as tábuas de madeira preta da embarcação com calma, direcionando sua concentração a aspectos e detalhes que exigiam maior foco, enquanto subia as escadas laterais do elevado na popa do barco. Ao longe, algumas nuvens acinzentadas, distantes demais para significarem riscos, ameaçavam trazer chuvas e ventos em um ou dois dias para aquela região e, talvez, chegassem até a ilha. Rompera-se uma das cordas amarradas a uma vela auxiliar. Surpreendeu-se ao enxergar Robin realmente cumprindo suas ordens e conversando com Qhorwyn, não esperava que ela, que possuía reais responsabilidades e poder, acataria aquela pequena tarefa.

Tornou a olhar e seguir para o timão do Mary Ann, que pilotado era por Askeladd Pyke. Askeladd era um homem alto e, apesar da fineza, forte, e com peito desnudo queimado pelo sol. Um dos mais altos de toda a tripulação e com uma das vozes mais potentes, um som grave e retumbante. O rosto afilado e ossudo com a mandíbula, levemente deslocada, contornada por emaranhados de pelos pretos salpicados de branco, os olhos azuis profundos pelas rugas e o curto cabelo escurecido jogado para trás. Agarrava o leme com a mão esquerda, confiante, e não demonstrava cansaço. Aproximou-se tomando posição ao lado do timoneiro e imediato interino, ali estando em posição mais baixa apenas se comparada à do caralho1 da embarcação, podia estender seu olhar a todo o navio e fazer sua presença ser sentida. Um verdadeiro capitão era um rei em seu navio e o leme, seu trono.

— Como está o avanço das capacidades de Robin? – perguntou ao timoneiro.

Já fazia alguns meses que Askeladd treinava Robin Mullierg na arte de conduzir o Mary Ann. A morte de Eric levou junto também sua imediata, pois Daena não desejava servir a ninguém, senão a Eric, e desembarcara em Lys, sua terra natal, para lá ficar. Desde então o peso da posição de imediato estava sobre os ombros de Askeladd, que, com competência, segurava-o. Mas não podia continuar assim, nem era vontade de Urisk que continuasse. As aulas ministradas a Robin eram seu treinamento para assumir o título de imediato quando Askeladd deixasse o posto e o navio, era essa também uma vontade de Urisk. O timoneiro provara sua lealdade diversas vezes e, acima de tudo e com uma sutileza inesperável, era sigiloso, mesmo os vários amantes não levaram o velho homem do mar a trair sua tripulação ou seu senso de aventura. E era por isso que ele merecia ganhar o próprio navio, uma embarcação nova e que fosse fiel a Urisk e que aumentasse seu poder. O Greyjoy não conseguiu tirar de si a sensação de que estava expulsando Askeladd de sua vida fazendo isso, que ficar mais próximo à solidão tocava-lhe mais que os benefícios que ganharia, porém a decisão já estava tomada.

— Bastante bem para alguém sem o talento – Askeladd respondeu. – Faltaste nela a visão necessária para um bom capitão. Ela tem uma mente rápida e decidida, não hesitas, isso é bom, mas suas decisões são amadoras e não acredito que deixarão de ser um dia. Enquanto falarmos de águas calmas e piratas com embarcações caindo aos pedaços não deve passar dificuldades, mas eu não confiaria o posto a ela por enquanto.

As conversas dos dois eram sempre lentas e pausadas, entremeadas de silêncios curtos, e sem ninguém apressar-se nas respostas ou atropelar as orações do outro.

— Parece-me um resultado bom no âmbito geral, em tão pouco tempo era irreal esperar um avanço maior que esse.

— Esta é tua tarefa, decidir se é bom ou não. É tu o capitão. Queres a espada de Robin servindo a ti? Decerto ela luta com maior ferocidade que qualquer homem que pisou nas madeiras do Mary Ann, mas isto não a tornará uma líder eficiente.

— Sua moral e imposição o fazem. A mim falta justamente isso, o grito e o tamanho, a sombra capaz de encobrir qualquer homem.

— E não é este teu maior poder no final? A cobra só pode picar se estiver escondida pelo gramado alto.

O convés subiu e pendeu para a esquerda, atravessando uma ondulação da água. Um dos novatos da tripulação, um jovem de Porto Real que provavelmente não seguiria nas próximas viagens, desequilibrou-se e por pouco não caiu da amurada do navio. A tripulação riu.

— Saindo dessa discussão. Chamou-me, não foi? A questão das bandeiras, não?

— Perfeitamente. Já discutimos que ambas devem ser alçadas, entretanto negligenciamos a ordem delas ao mastro. Qual será a mais alta, a rainha desse navio? Tua ou a de tua família?

Urisk levantou seu olhar para o topo do mastro do Mary Ann, um grande tronco de madeira bruta de um vermelho muito escurecido com cordas e toras presas e amarradas que seguravam todas as velas da embarcação, serrando os olhos para amenizar o brilho solar e a viu tremulando meio caída, dançando ao sabor do vento, uma bandeira negra e brilhante cuja pintura era recente. Ostentava o preto e o dourado, mas não a lula gigante; em seu lugar, aparecia um peixe-voador, que saltava e trazia uma moeda em sua boca. Ele era o símbolo pessoal de Urisk, uma adaptação do símbolo que Eric criara anos antes para designar o Mary Ann.

— A minha, obviamente. Que a da Casa Greyjoy fique por baixo.

— Não quer arriscar provocar os Redwyne?

— Também.

Meistre Samwell adentrou o convés conversando calmamente com Eran Aplí, que, por sua vez, era seguido de perto por um desinteressado e desapontado Tysho. Contrastavam meistre e cavaleiro em energia e carisma. Um incrustado de solitude e assustador, outro cheio de frescor e otimismo juvenil. Eran não demorou para conseguir a aprovação da tripulação, mostrara-se um navegante experiente e acostumado com a vida de marinheiro, e sua predisposição a agir como bardo de músicas obscenas foi bem aceita, ainda que a maioria entendesse tão pouco da língua westerosi, nada entendendo do que era cantado. O único descontente com a eficiência e a naturalidade com que Eran adaptou-se à viagem era Tysho, que decaiu de instrutor para serviçal, e, às vezes, bobo da corte.

Samwell cobria o corpo inteiro com um manto surrado marrom e cheio de manchas, e não ostentava corrente nenhuma, a pele maquinamente branca queimava com extrema sensibilidade aos raios solares após o alto contato com venenos e ervas irritadiças. Por debaixo do manto era um homem jovem e bonito, as pontas de mechas castanho-claras, pálidas e duras saíam pela lateral do manto e desciam até os ombros, os olhos profundos ficavam visíveis quando levantava o rosto, mas suas cores eram indistinguíveis. Escondia as mãos com luvas de couro apertadas, puxadas até quase a metade de seu antebraço.

— Tenho de ir. Ainda tenho que conversar com meistre Samwell. – Urisk despediu-se de Askeladd, que respondeu apenas com um aceno de cabeça.

Urisk aproximou-se de meistre Samwell. Conseguiu ouvir as últimas palavras trocadas entre o meistre e o Eran.

– Não me agrada interrompê-los, mas acredito que seja melhor que todos aqui comecem a preparar o descarregamento dos próprios pertences. Teremos de mover nossas coisas para os aposentos destinados a nós por lorde Runceford, e não me agrada a ideia de nos atrasarmos em algo tão simples. Você, Eran, tem uma bagagem particularmente grande para preparar, não? Ou pretende deixar a maior parte aos cuidados do navio em vez de levá-las consigo à terra firme?

Eran, entendendo a mensagem subtendida das palavras do capitão, despediu-se educadamente do meistre e deixou o convés em direção a seus aposentos.

— Quanta sutileza. – Como tudo naquele homem, a voz de Samwell era uma cicatriz, um sussurro agudo forçando a passagem por uma garganta machucada, falhando no final das frases e quase sumindo. Uma voz que não aguentaria mais que alguns minutos de conversa. – Quais dos meus serviços são necessários hoje?

– É um insulto para os Redwyne um arqueiro levar seu arco numa visita a Árvore?

– Em um banquete: Sim. Em uma justa: Não. Chegar ao porto, não tem nada demais, mas não ia ser educado circular armado na casa de seus hospedeiros.

– Certo. Como estão os preparativos que te pedi? Acredito que quando aportarmos poderá acelerar seu ritmo.

– Perfeitamente.

– Então, acabamos por hoje.  

Samwell virou-se, um espectro sombrio rodopiando e afastando-se, fugindo do brilho escaldante e sumindo na escuridão dos andares inferiores da embarcação, e Urisk deixou também o convés retornando a seus aposentos. Decorreram, então, minutos de preparação e arrumação onde imagem e posição se tornaram o centro dos pensamentos do Greyjoy, e uma pessoa deu lugar a uma persona camuflada de confiança e felicidade e elegância, de grandeza indesejada e inverossímil. Serviçais chegaram trazendo e levando seus pedidos: baús e pedras de amolar e água aquecida, e o tempo correu. Do homem que saiu da cabine trapezoidal pouco se reconhecia, coberto em um manto escuro e justo preso por largos botões de metal na linha central, forrado em dourado envelhecido e com uma série de alfinetes com o formato do peixe-voador prendendo as pontas das mangas. O manto descia abaixo da cintura até quase os joelhos e sobrepunha-se a uma camisa cinza. O arco cinzento preso às costas por um conjunto de cintos de couro e cordas torcidas que cruzavam seu peito e seu abdômen até a diagonal. Um cinto grosso, de couro vermelho cozido e tracejados de prata-azulada, ornamentava sua cintura. Uma calça de tecido duplo marrom e uma bota alta cinza. O cabelo preto dançava ao sabor do vento quase como uma entidade viva e contrastava com o vazio inalcançável de seus olhos.

Faltava menos de uma hora para alcançarem a Árvore que crescia na interminável extensão do mar e, ao longe, a agitação do porto alcançava o Mary Ann. Empilhados nos cantos do convés aglomerados de barris e caixas esperavam para serem descarregados e vendidos, e uma equipe metodicamente contava e anotava o conteúdo de cada item a ser descarregado. A comitiva Greyjoy já estava formada. Dividia-se em dois grupos; um composto por Lorde Harmond e dois homens, um velho alto e corpulento com uma armadura pesada, Theon Drumm, e um jovem irrequieto com uma armadura de camadas e o símbolo de uma mão óssea no peito, Aeron Drumm; Eran Aplí e Tysho. O outro composto por Robin Mullierg, Eddard Catshire e mais alguns homens de confiança, que cuidariam das vendas e do abastecimento do navio.

No mastro tremulavam selvagemente as bandeiras do peixe-voador e da lula gigante. O porto firmava-se sobre uma estrutura de pedra e madeira construída em uma grande costa serpentina que acabava em um golfo em que barcos, maiores do que seria qualquer barco comercial, aportavam um ao lado do outro e, ao fundo do Golfo, erguia-se um farol de pedra circular. O tamanho do porto da Árvore era comparável ao de Porto Real e suas tábuas contornavam quase metade da ilha. Urisk não se surpreendia com o tamanho do porto, não esperava menos da única família que poderia fazer frente à Frota de Ferro.

Ao mesmo tempo, não pode deixar de analisar o que diferenciava a Frota de Ferro da Frota Redwyne. Os barcos da Frota Redwyne eram maiores, mas também mais lentos e vulneráveis, a maioria tinha apenas o mínimo necessário para se defender enquanto transportava mercadorias. E eles iam e vinham o tempo todo, o que impedia que os Redwyne mobilizassem seu poder total com celeridade. Urisk calculava que se uma guerra estourasse ao cair da noite Runceford Redwyne poderia reunir 50 embarcações de guerra sobre seu poder, aumentando seus números em mais 70 ou 80 durante o conflito, e mais uma centena de embarcações comuns se assim fosse necessário. Eram números impressionantes, mas demorados a se concretizarem. Se uma guerra estourasse à noite, Urisk poderia reunir 80 embarcações de guerra de uma única vez e, se as ilhas se unissem, dobraria esse número com dracares.

Juntos, somariam 290 embarcações prontas para o combate e mais quase duas centenas de barcos comuns para inflar seus números, se necessário.

O Mary Ann navegou em direção ao golfo isolado no final do porto, longe do frenesi interminável das regiões mais centrais, aportando sem dificuldade ao lado das embarcações de guerra que estavam lá para proteger a Árvore. A rampa de acesso foi descida e Urisk ordenou que amarras de reforço fossem feitas no Mary Ann, antevendo uma possível tempestade nos próximos dias. Enquanto a tripulação corria para acatar as últimas ordens de seu capitão antes de serem liberados para um período de descanso, menos aqueles que vão cuidar da proteção do Mary Ann, a comitiva Greyjoy tocou em terra firme.

Uma comitiva Redwyne estava à espera dos visitantes, eram formados por 15 soldados bem trajados com armaduras leves e lanças cerimoniais com fitas vinho trançadas em seus cabos, sem capacetes e com mantos e tecidos índigo. À frente da comitiva havia um homem alto, vestindo um gibão de corte refinado verde-limão com os ombros inflados e padrões ornamentados semelhantes a vinhas em um verde mais escuro e com contornos vinho; usava uma calça tão refinada quanto o gibão, tingida em um vermelho quase carmesim. Os cabelos, tão longos quanto os de uma mulher, esvoaçavam livres brilhando em um castanho quase loiro. Ele estava acompanhado de um lado por um velho cavaleiro, que deveria estar lá como líder dos soldados da comitiva, e do outro por uma jovem lady de cabelos pretos e olhos cinzentos trajada em um vestido turquesa. “Annés” Urisk pensou e, distraído, nem percebeu quando o homem em trajes limão saudou a ele e a seu pai.

– É um prazer recebê-los, lorde ceifeiro Harmond Greyjoy e senhor capitão da Frota de Ferro Urisk Greyjoy. E todos que façam parte de sua comitiva, mesmo que não anunciados não se tornam indesejados. Eu sou Leonard Redwyne, herdeiro da Árvore e venho em nome de meu pai Runceford e de toda a família Redwyne. Vejo que um dos seus traja o símbolo dos Baratheon.

– Este é Eran Aplí, representante de Jonathan Baratheon para o casamento. – Harmond Greyjoy adiantou-se e respondeu. – Os Baratheon estão bastante animados com o potencial de nossa aliança.

– Ótimo...

E a conversa continuou enquanto ambas as comitivas avançavam em direção aos salões de Runceford, protegidas pelos homens da casa Redwyne. Urisk não prestou atenção à conversa, caminhando no final da comitiva, apenas Annés seguiu ao seu lado. Sentia um peso estranho sobre si, uma incerteza fundamental que não conseguia identificar a origem.

– Irmão.
Urisk Greyjoy
Urisk Greyjoy
Senhor das Ilhas de Ferro e Ceifeiro de Pyke
Senhor das Ilhas de Ferro e Ceifeiro de Pyke

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